Os Cristãos Precisam Oferecer Sinais de Esperança

É preciso cultivar ideais que possam mudar a história. (Lc 17,11-19 ;2Rs 5,14-17; Sl 97/98; 2Tm 2,8-13)(10.10.2010) Pe. Itacir Brassiani msf
Na mensagem para o Dia Missionário Mundial, Bento XVI lembra que, “numa sociedade multiétnica que experimenta preocupantes formas de solidão e de indiferença”, os cristãos precisam “oferecer sinais de esperança” e cultivar “os grandes ideais que transformam a história”. Trata-se de ser irmãos universais, como o pobre Francisco de Assis (+04/10/1226), como o sonhador Ernesto Che Guevara (+08/10/1968) e como o mártir Pe. João Bosco Burnier (+12/10/1976), e de engajar-se ativamente para “que nosso planeta seja a casa de todos os povos”. E isso sem falsas ilusões, mas também sem medos inúteis. Com o vivo desejo de dar o necessário sabor missionário à celebração e à vida, coloquemo-nos à escuta da Palavra de Deus, que, como diz Paulo a Timóteo, é digna de fé e não pode ser detida ou silenciada.
“Caminhando para Jerusalém...”

A travessia que Jesus e seus discípulo estão realizando não é simplesmente geográfica. A região compreendida entre a Samaria e a Galiléia caracteriza uma terra de ninguém, uma região marginal e fora do controle do templo judaico. Luca usa os nomes mais com o interesse de caracterizar os personagens que entram em cena que para dar informações geográficas. Parece que Jesus está sozinho. Será que os discípulos fagiram, ou estão escondidos na figura de parte dos personagens?

Não esqueçamos que a travessia que Jesus está cumprindo é uma caminhada consciente e com um rumo preciso: vai a Jerusalém para enfrentar os poderes religiosos e políticos e revelar a identificação plena e solidária de Deus com os excluídos. E cumpre essa passagem com um ideal muito claro: vai da periferia social para o centro político, transforma os últimos em primeiros, estabelce como centro aquilo que é desprezado, revela a presença de Deus na contra-mão da história e da religião.

“Dez leprosos vieram ao seu encontro...”

Um grupo de leprosos deixa o fechado círculo da cidade e se aproxima de Jesus. Estranhamente, parece que os leprosos não vivem fora da cidade, como manda a lei. “O homem atingido de lepra andará com as vestes rasgadas, os cabelos soltos e a barba decoberta, gritando ‘Impuro! Impuro!’... Habitará a sós e terá sua morada fora do acampamento” (Lv 13,45-46). Será que a lepra que os atormenta não tem suas raízes exatamente no ambiente nacionalista, fanático e fechado da cidade sem nome?

O evangelho diz que dez leprosos saem do povoado e vêm ao encontro de Jesus. Parece que a ideologia estreita e fechada da cidade faz mal, transforma todos seus habitantes em seres proscritos. Mas, em vez de anunciarem claramente a impureza que carregam e assim se manterem longe das pessoas consideradas puras, eles reconhecem Jesus como mestre e gritam: “Tem compaixão de nós!” Há algo que faz com que este grupo saia da cidade em busca de uma mudança.

“Jesus, mestre, tem compaixão de nós!”

O pedido brota do mais profundo da condição de excluídos. Por trás do pedido de compaixão que dirigem a Jesus está a situação dramática que vivem todos aqueles que são infectados pela lepra e, quem sabe, pela ideologia estreita e escravizadora do judaísmo daquele tempo. É importante perceber que os leprosos não são considerados apenas doentes (situação sanitária), mas também impuros (discriminação religiosa) e separados da convivência cotidiana (exclusão social).

Mas o grito quase desesperado implorando compaixão também é revelador de uma embrionária consciência de que Deus não vira o rosto nem fecha o coração diante do drama que eles vivem. Mesmo sem conseguir entender claramente a identidade de Jesus – eles se dirigem a ele como a um chefe! – apelam a algo que não é periférico mas essencial em Deus: sua compaixão transformadora em favor dos últimos e dos marginalizados.

“Um deles voltou glorificando a Deus...”

A resposta de Jesus ao pedido desesperado é o cumprimento de uma norma legal: “Ide apresentar-vos aos sacerdotes”. Mas como poderiam eles ir ao templo, se era exatamente a lei por ele regulada que os mantinha distantes e separados? Eles ainda não estavam curados, e ousar entrar no templo seria um sacrilégio imperdoável. Mas é no caminho – na caminhada de adesão à Palavra de Jesus Cristo! – que eles são curados. É da ruptura com a cosmovisão estreita e dominadora do templo, da adesão crescente a Jesus e à sua Palavra que vem a força que restaura a dignidade e liberta das exclusões.

Entre os dez leprosos havia um samaritano (mas não esquecemos que, pelo simples fato de alguém ser samaritano, já era socialmente equiparado a um leproso), e os demais provavelmente eram galileus. No caminho todos se vêem curados, mas os nove galileus continuam firmes a marcha em direção ao templo e são por ele novamente assimilados. Apenas o samaritano faz marcha-ré e volta para agradecer e reverenciar a Jesus e glorificar a Deus.

É possível que este grupo de leprosos queira representar exatamente os discípulos/as que resistem a aceitar a novidade exigente e libertadora proposta por Jesus. São os cristãos de todos os tempos que continuam acreditando nos privilégios das minorias – os fariseus, os iluminados, os consagrados, os praticantes, os militantes, os ocidentais, os cristãos, etc. – e na supremacia das leis e instituições para a convivência humana.

“Tua fé te salvou!”

O leproso samaritano representa todos os estrangeiros e demais excluídos que acolhem a mensagem de Jesus e se tornam discípulos. A afirmação de Jesus é clara e contundente: “Tua fé te salvou.” A reconquista da plena cidadania e respeito não é uma concessão generosa do templo ou daqueles que o controlam. Não é também mero resultado de uma piedade difusa e ingênua. É fruto maduro e saboroso de uma fé dinâmica e consequente que sustenta rupturas e buscas.

A declaração solene de Jesus ao samaritano purificado de suas chagas físicas e sociais é semelhante às que verbalizara em outras situações: à mulher que é vista como pecadora e beija seus pés em público (cf. Lc 7,50); à mulher que sofria de hemorragia há 12 anos, e por isso tratada como impura (cf. Lc 8,48); ao cego e mendigo de Jericó (cf. Lc 18,42). Em todas estas passagens se vê o mesmo drama humano e a mesma delicadeza de quem nada reivindica para si mesmo: “Tua fé te salvou!”

No último domingo vimos como o próprio grupo dos apóstolos enfrentava dificuldades de viver pela fé, de romper com a confiança cega no poder do dinheiro e das instituições, de buscar soluções humanas para os problemas humanos. E hoje somos brindados com a figura exemplar deste samaritano que, movido pela fé, rompe com os estereótipos – que às vezes parecem convenientes! – e redescobre sua plena dignidade de filho de Deus. Precisamos sim de ideais com força para mudar a história!

“Levanta-te e vai...”

A experiência de ser acolhido e amado por Jesus Cristo leva à decisão de segui-lo e culmina na aceitação de uma missão. O samaritano curado não é remetido ao templo e suas leis incapazes de libertar, mas enviado em missão. Não é dito o que ele deve fazer, nem onde deve ir. Jesus simplesmente diz “Vai...” Pois a missão é essencialmente isso: descobrir-se radicalmente enviado/a por Outro a outros; sentir-se convocado/a a descobrir sempre de novo onde e a quem servir.

São ideais como este que têm força para mudar a história. Já fizemos referência ao Pe. Burnier, mas devemos lembrar aqui todos/as os/as mártires da América Latina, conhecidos ou anônimos, cuja memória somos convidados a celebrar no dia 11. Mas não esqueçamos também de Paulo, que se diz pronto a suportar tudo em favor dos seus irmãos. “Tenho sofrido até ser accorentado como um falfeitor. Mas a Palavra de Deus não está acorrentada.”

Seguros de que é digna de fé a Palavra que nos ensina que, se morremos com Jesus com ele também viveremos, e mesmo se somos infiéis Ele permanece fiel, rezemos: Te agradecemos, Deus Pai e Mãe, pela nuvem de testemunhas e missionários/as que nos antecederam, nos acompanham e sustentam o edifício da nossa fé. Como eles, queremos romper com tudo o que possa escravizar a nós e nossos irmãos e irmãs, inclusive com uma fé medíocre e medrosa. Ensina-nos a cultivar ideais profundos e coerentes, capazes de mudar a história de dominação que herdamos. Faz de nós uma Igreja missionária, e não permite que nos acomodemos no estreito limite das nossas famílias, grupos e comunidades.
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